sábado, 28 de junho de 2008

Crianças que morrem antes de morrer!



Ontem saí cedinho para buscar o pão, cedinho mesmo, pois meu esposo sai as 5:30 para o quartel e meus meninos saem logo em seguida as 6:00 horas, então meu horário é sempre por volta das 5 horas. Quando cheguei na porta da padaria me deparei com um menino sujo e maltrapilho, todo encolhido no cantinho da calçada, não dava para ver se dormia ou outra coisa, mas tive a nítida impressão de que havia algo errado. Cheguei um pouco mais perto e percebi que sua respiração era entrecortada e ocorriam algumas pausas. Fiquei assustada e perguntei na padaria se alguém sabia o que estava ocorrendo com o menino ( no subúrbio onde moro não é comum vermos moradores de rua, talvez porque não seja muito rentável para eles), o Bill que é o balconista da padaria me disse que ele estava apenas dormindo depois de uma longa noite de consumo de crack. Fiquei horrorizada, mas não sabia o que poderia fazer, então fui para casa carregando meu horror e o pão da minha família. Bem mais tarde, por volta das 11 horas, voltei ao comércio, qual não foi a minha surpresa ao deparar-me novamente com o menino, exatamente no mesmo lugar, só que desta vez com um sol quente sobre sua cabeça e uma enorme poça de vômito e urina envolvendo-o. Desta feita me indignei! Falei para as pessoas que estavam em volta.: "Poxa gente, o menino está passando mal, alguém já ligou para os bombeiros ou o SAMU?" O menino da locadora falou para mim que os bombeiros já tinham vindo, mas não puderam levá-lo pois ele alegou estar bem e que só queria dormir, falei então que deveríamos ligar para a Secretaria de Serviço Social, e uma vizinha falou que eu poderia até tentar, mas quando aparecesse alguém o guri já estaria longe. Tornei a voltar para casa cheia de horror, mas sem tomar nenhuma atitude palpável. Quando meu filho mais velho de 16 anos chegou do colégio, perguntei a ele se o garoto ainda estava lá. Meu filho, notando a minha preocupação, disse que o "cracudinho" já tinha pego o cachimbo dele e de carona num ônibus se mandou. Perguntei ao meu garoto que expressão era aquela - "cracudinho"? E numa síntese rápida meu filho respondeu: "É moleque que fuma crack." E eu perguntei a ele: "e vocês chamam esses meninos assim? Pô, filho, são pobres crianças sem chance e oportunidade, estão jogados no mundo sem pai nem mãe, a mercê da sorte que só tem como companhia a droga. Você não tem pena?" A resposta do meu filho me assustou, não por achar que ele não tenha coração ou formação moral, mas principalmente por ser um espelho da verdade, por ser exatamente o que cada um de nós pensa lá no nosso íntimo, bem lá no fundo onde ninguém pode nos ouvir, meu filho simplesmente falou para mim: "Mãe, amanhã, quando você for buscar o pão e ele estiver lá drogado, te pedir dinheiro pra comprar drogas e você não der, ele sem pena nenhuma te mete um gargalo de garrafa na garganta e te mata. Aquilo ali não é mais uma criança, a criança dentro dele já morreu faz tempo. Tenho pena dos que ainda não se drogam mas não vão ter outra opção".
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Durante uns três dias eu vi aquele menino ali pela manhã, sempre na mesma situação, e sempre que o via lembrava da expressão "cracudinho" e das palavras do meu filho. Da mesma forma que ele apareceu ele sumiu, e eu fui perguntar na padaria se alguém sabia o que tinha acontecido com o garoto, não me surpreendi quando me disseram que na noite anterior (estava de plantão e por isso não vi o acontecido) ele havia morrido de overdose. Era um menino, não devia ter mais de 10 anos, não sei seu nome, mas lembro bem do medo que senti dele quando fui buscar pão no dia seguinte às palavras de meu filho. Concluí que não fazemos nada ou quase nada para ajudar, ficamos de nossas casa e achamos que dar um pão ou um trocadinho (fazendo força para crer que é para comer) já nos limpa a alma cristã.
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Quer saber, o "cracudinho" se foi, com certeza para um lugar bem melhor para ele, eu vou continuar por aqui, de pés e mãos atados, atônita e horrorizada , mas completamente ignorante daquilo que poderia ter feito!